Já tinha me formado, trabalhava em um lugar legal fazendo o que gosto, já tinha vivido amores e desamores e seguia sem encontrar um sentido para minha vida. Decidi ter um filho… Luna veio mais perfeita do que nos meus planos: toda gostosinha, sorridente e saudável. E ainda me trouxe de presente um casamento e uma carreira estável. Tudo pronto para vivermos felizes para sempre e ela começou a mancar. Não esticava a perna esquerda e não sabia explicar o porquê. Nem os médicos. Tinha apenas quatro anos quando começou a frequentar hospitais e clínicas de diversas especialidades. Após nove meses de consultas, antibióticos e analgésicos, foi internada por causa de mais uma febre, dessa vez de 39º. Após 14 longos dias, de incontáveis exames e agulhas, saiu o resultado: Histiocitose das Células de Langerhans - como um câncer que lhe havia comido parte do osso da bacia, estava em suas vértebras, pulmões e até no crânio. Já havia ocorrido uma metástase.
Luna veio trazendo luz, paz e um sentido lindo para minha vida e agora estava com uma doença horrível que quase lhe tirou os movimentos das pernas, para pensar no menos pior… Por que comigo??
Na semana seguinte já estava na quimioterapia. Líquidos coloridos injetados coração adentro da minha menina. “Respira e não chora! Mostre apoio e naturalidade!” - dizia a voz de mãe lá dentro de mim.
Um ano depois e acabou a quimioterapia! Comemoramos aliviados e confiantes.
A confiança durou um pouco mais de um ano, apenas. Ela começou a se queixar de dor na coluna. As professoras confirmaram que não era algum tipo de carência quando ela deixou de participar das atividades de sala e de dança. Ela ama dançar! Deve estar doendo muito…
De novo, não!! Mas, sim. De novo. Mais um tumor na coluna, entre duas vértebras. Mais um ano de quimioterapia, de remédios e exames radioativos.
Mas esse ano foi diferente. Já estávamos seguros do bom resultado no final. E nesse ano veio o João! Nenenzinho fofinho que só renovou meu sentido da vida. Mas a paz durou pouco...
João tinha apenas três meses quando o encontrei sufocado, com o rosto no colchão, sem reflexo, sem respirar, como que sem vida. Não!!! Eu não aceito isso! Chacoalhei, fiz massagem cardíaca, virei e revirei o neném como havia visto em um treinamento de primeiros socorros; meu marido soprou ar em seus pulmões e ele voltou. Ufa! Corre para o hospital e está tudo bem. Por dois dias… Depois de ter voltado a se comportar da forma mais alegre e saudável que podia, teve uma mudança brusca de comportamento. Parou de fazer contato visual, de reagir a sons e parou de sorrir. Ficou irritadiço e não olhava mais para mim. Não!! Eu não te deixei ir uma vez e não vou te deixar ir de novo!!
Corremos, mais uma vez, para o hospital… Ninguém sabia explicar o comportamento dele, mas todos demonstravam grande preocupação com suas condições neurológicas. E algumas horas depois, começaram as convulsões. Eram horríveis! Seus olhinhos ficavam tremendo, como que atraídos por um ímã para o lado direito. A primeira convulsão durou cinco minutos, a segunda quinze e a sétima durou CINQUENTA minutos e o remédio não fazia parar.
Temos que esperar.” E eu sabia que convulsões longas podem trazer danos irreversíveis. Por que comigo??
Dez dias de internação entre UTI, quarto e salas de exames, com direito a agulhas que não encontravam nunca as veias do neném de primeira. Ele chorava ali e eu aqui. Muito.
Dia 28 de dezembro de 2020 foi a data em que comemoramos a última quimioterapia da Luna e também a alta do João. Desde então ele segue com tratamento para epilepsia e com um desenvolvimento cognitivo e motor totalmente saudável, dentro do esperado para sua idade.
Por que comigo?
Não sei e acho que nunca vou saber. O que sei é que meu amor e respeito pela vida crescem a cada dia, a cada remédio que dou para meus filhos, a cada coisa nova que aprendem. Acordo cedo para cuidar da alimentação, vitaminas, medicamentos, higiene, etc, etc. Acordo para ver se estão respirando e respiro aliviada de ver que estão vivos. Não sei dizer se estou mais forte, pois nunca conheci tão bem o medo. E junto com o medo, conheci todas as razões para viver e motivos para ser feliz com os momentos simples da vida.
Ai, essa tal de maternidade!
Ana Schmid
Neuroeducadora, Psicopedagoga, Terapeuta, PNL, Professora de Inglês, Espanhol e Artes e mãe da Luna e do João
Comments